sábado, 11 de abril de 2020

Um Limite Entre Nós (Denzel Washington, 2016)



"When you’ve destroyed something you’ve greatly loved, you learn to love to destroy" – Gregory Peck em Days of Glory.

De início, uma casa de tijolos batidos, marcada pelo tempo (pela chuva e pela neve), é habitada por um homem cujo pragmatismo estratégico a torna imperturbável. Este homem também carrega consigo as marcas do seu tempo, mas suas cicatrizes são internas. Depois, a ruína da casa acompanha a ruína do homem, não sobrevivendo à rebentação emocional que começa por germinar como um arbusto imparável, descontrolado, expansivo, e que termina por crescer até o ponto de se converter em árvore e ocupar todo o espaço que lhe é e não lhe é permitido. Viola Davis: "That was my first mistake: not to make him leave some room for me".

Um conflito logo se desenha lentamente entre os olhos dos protagonistas: se os olhos de Washington não choram porque o suor do trabalho lhe secou as lágrimas, os de Davis vertem indiscriminadamente a água acumulada ao longo dos anos.

No quintal exíguo dos fundos, não vemos senão um sofá desgastado, uma bola de beisebol dependurada sobre um galho de árvore, materiais e ferramentas, um jardim por cuidar. As paredes manchadas da casa não separam, antes agregam (pensemos nos diálogos que extravasam para outros espaços). "Some people build fences to keep people out... And other people build fences to keep people in", diz o personagem de Stephen McKinley Henderson, o mais sábio entre os sábios que lá pisaram.

Sobre esta casa, um céu em nuvens é rasgado sutilmente pelo enfraquecido sopro de trompete daquele cujas asas só não vemos porque estão escondidas por debaixo do terno marrom esfarrapado (e ao final já não há outro título para Gabe que não anjo caído).

Sim, poderíamos falar sobre o domínio não tão firmado de Washington na condução dos seus desenlaces narrativos (a resolução das intrigas extraconjugais, por exemplo). No fundo, poderíamos encontrar problemas de toda ordem neste filme por vezes irregular. Estes problemas existem, estão lá, mas diluem-se magnificamente quando, pacientemente, o cineasta desvenda sua função naquele processo: filmando à altura, respeitosamente, ele encontra o peso e a medida dos sentimentos verdadeiramente humanos, que hesitam entre a tempestade e a bonança. Também descobre, naquele cenário reduzido, um mundo de paixões resignadas, de corpos ressentidos, de fantasmas interiores e de sonhos malogrados.

Encarar a vida de frente, como Washington encara a morte. Fences é um filmaço.

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