segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

"Justiça para James Bond", por Nicolas Saada

"É um fato conhecido: a política dos autores ganhou, para o pior e o melhor. Não há uma fanzine, um hebdomadário, uma coluna de cinema na televisão que não fale no 'último filme de'... Em trinta anos, raros são os cineastas que puderam escapar dela: os filmes são sempre reduzidos ao indivíduo atrás da câmera. 

Nunca ocorreria a alguém evocar a série James Bond citando os nomes de seus diretores. É difícil imaginar um cinéfilo com raiva de um amigo por causa de John Glen, Lewis Gilbert ou Peter Hunt. Dizemos 'um James Bond', espécie de termo genérico que engloba toda a série desde a sua criação. 

Os primeiros James Bond foram finalmente lançados na França em DVD, numa ordem quase cronológica, após os lançamentos de 007 - O Amanhã Nunca Morre e 007 contra GoldenEye no ano passado. Está aí a ocasião para se tentar compreender como os filmes a priori mais impessoais da história do cinema são certamente muito mais interessantes e fascinantes do que se imaginava.  

François Truffaut via nos James Bond uma frágil paródia dos filmes de Hitchcock e de Intriga Internacional, exprimindo assim seu desprezo pela série. Fellini, por outro lado, nunca escondeu sua paixão pelos James Bond, e até acarinhava a fantasia de realizar um. Cada DVD é acompanhado de um documentário explicando a gênese e a produção dos filmes. Sentimos que por trás de toda essa empreitada esconde-se muito mais que um punhado de groupies: trata-se antes de apaixonados pelo assunto, que redescobriram arquivos, trechos de entrevistas e esboços. 

007 contra o Satânico Dr. No e Moscou contra 007, filmados um após o outro entre 1962 e 1963, se distinguem, em primeiro lugar, pelo toque não negligenciável de seu diretor, Terence Young. Ele inventa o estilo James Bond, com seu ritmo nervoso e a montagem truncada de Peter Hunt, mestre no assunto. Dr. No, filmado sob as condições de uma verdadeira Série B, é uma mistura bizarra de filmes de aventura e de ficção científica, sem gadgets, mas com a direção artística de Ken Adam, que impressionou Kubrick ao ponto de este contratá-lo para Dr. Fantástico. Moscou contra 007 é um verdadeiro filme de espionagem, inspirado em Five Fingers de Mankiewicz, citado inúmeras vezes. Nele encontramos Lotte Lenya como uma espiã sádica. É uma joia de invenção gráfica e de escárnio. 

Os James Bond não são simples filmes ingleses (certamente uma razão para que Truffaut os detestasse). Eles podem ser comparados ao que chamamos, em arquitetura, de 'estilo internacional': uma moda cujas raízes remontam à Bauhaus alemã. Ken Adam, que desenhou inúmeros cenários dos James Bond, tinha origem alemã e isto, sem dúvida, explica aquilo. Se os filmes de James Bond são tão desprezados - o que é totalmente injusto -, é porque eles nunca exprimem um sentido 'secreto' da mise en scène ou o ponto de vista de um autor sufocado pelas regras de um gênero. Foi por pleno conhecimento de causa que os diretores dos James Bond se inseriram na série, assim como Sean Connery também se inseriu nela com os figurinos sob medida do alfaiate Turnbull & Asser. Terence Young concebeu visualmente o herói internacional. E foi ele quem inventou o que hoje chamamos de filme de ação. 

Os DVDs de James Bond reproduzem maravilhosamente o clima insólito dos primeiros Bond, com suas cores selvagens e seu formalismo devastador. Deste lote de relançamentos emerge Goldfinger de Guy Hamilton, que assinou outros James Bond - nenhum, no entanto, atinge a loucura e a invenção daquele. Por quê? Robert Bresson qualificava Goldfinger como 'notável', para a surpresa de muitos, que viam por parte do mestre uma brincadeira ou uma provocação (ou os dois). Bresson, o Cineasta, observava um mundo vasto e secreto se agitar. Goldfinger é o inverso de Bresson: uma máquina anônima, sem identidade, que produz um número espantoso de ideias de cinema, sem efeito de assinatura, sem a sombra de uma 'personalidade' no comando. Goldfinger é uma obra-prima pura. Um perturbador trabalho coletivo onde a noção de filme de autor desaparece em benefício de um 'filme autor'. O documentário que acompanha o filme, comentado por Patrick McNee (Steed, John Steed), leva em consideração esta ideia. Ele fala de um trabalho de equipe a serviço de uma máquina sutil, o James Bond, programa rodado, sem piloto, mas com uma equipe brilhante, uma conjunção de talentos únicos em seus gêneros: Ken Adam, Peter Hunt, Guy Hamilton, John Barry. 

Com o declínio dos anos 70, James Bond conhece um último sobressalto em 1969 com 007 - A Serviço Secreto de sua Majestade: é o único filme da série que não é um programa. Dirigido por Peter Hunt, ele explora o personagem sob um ângulo inédito. O filme reúne o elenco mais belo de todos: Diana Rigg como Bond Girl, Gabrielle Ferzetti recém saído de Antonioni, e Georges Lazenby. É um James Bond em que pela primeira vez se passa algo de pessoal, de singular. Ele é estruturado de maneira relaxada, quase desordenada, como sob influência perniciosa do cinema moderno. No DVD, seu diretor comenta a cena de abertura com um tom casual ('Oh, it's charming', ele repete). Como se ele não fosse consciente nem por um segundo da beleza macabra do mais bem sucedido filme de James Bond.  

É este jogo entre o vazio absoluto e a graça desconcertante que faz dos filmes de James Bond uma experiência jubilatória. O DVD faz então justiça aos melhores James Bond, singulares e magníficos objetos, filmes anônimos onde a mise en scène se exprime a despeito do espetáculo, em doçura, mas não em contrabando". 

Nicolas Saada, Cahiers du cinéma nº 550, outubro de 2000. 

domingo, 6 de dezembro de 2020

Tenet, por Jean-Baptiste Thoret

"Contrariamente ao que se escreve/diz por aí, a história de Tenet é extremamente simples, e mesmo simplista: a fim de evitar uma terceira guerra mundial, um agente secreto segue as pegadas de um russo malvado que detém consigo qualquer coisa como plutônio. Depois, ele se apaixona pela mulher deste último. Juntos, e na companhia de outros personagens coadjuvantes, eles percorrem o mundo para evitar que o desastre aconteça. É pouco, mas é tudo. No lado dos atores, o bad guy é interpretado por Kenneth Brannagh (que reassume o papel que ele possuía em Operação Sombra - Jack Ryan), sua mulher, pela surpreendente Elizabeth Debicki (mesma coisa: ela é Thandie Newton em M:I 2) e o herói sem nome por John David Washington, um ator novo que prova que o carisma não é genético. No lado dos cenários, o escapismo frenético do filme nos impede de explorar realmente qualquer um deles. O filme, então, é uma catástrofe jamesbonderiana tal como Hollywood produziu e ainda produz em grande quantidade, na verdade mais próxima da série ultra B (menos a modéstia e o charme) do que desse blockbuster de autor que, ao que parece, vai salvar o cinema. Além disso, ao final das 2h40, estamos mais certos de querer salvá-lo. O roteiro naturalmente trabalha no sentido inverso de sua história frágil. Trata-se de fazer acreditar que o filme é muito mais inteligente do que parece, agitando por todo lado trapos custosos que, este é o objetivo, farão esquecer que no fundo da cartola não há o menor traço de coelho. Nolan e seu roteirista, o mesmo Nolan, embaralham as cartas a partir de um princípio bobo: tudo que é simples, na verdade, é muito complicado. E o inverso: é isto que desencadeará a febre hermenêutica de certos espectadores convencidos que o camundongo, quando autopsiado em detalhes, era na verdade um boi. A famosa síndrome do pião. É necessário, então, preencher ou mascarar o vazio à maneira daqueles fumígenos que, nos filmes de ficção científica barata dos anos 50 e 60, recobriam com uma aura misteriosa os rochedos e as criaturinhas de papelão. É necessário esticar as sequências em todas as direções, mostrá-las duas vezes (mesmo as piores: a luta interminável entre o herói e seu duplo de capacete nos corredores de um hangar) e disseminar, por toda parte, pequenos grãos para serem bicados (o espelho quebrado de um retrovisor!) e que farão a alegria de geeks e de pombos. Estratégia que Nolan já havia empregado em Inception: quando um filme não pensa nada, é preciso produzir a ilusão de que ele pensa em tudo. Como fazer: mergulhar essa pequena história em um jargão científico muito sério, fazer com que os atores, que não tem mais nada para interpretar, recitem diálogos alucinantes com uma seriedade papal, emaranhar o todo em paradoxos temporais e em pequenos quebra-cabeças lógicos dignos daqueles que encontramos na seção de adolescentes da Nature et Découverts (se é que isso ainda existe). Tudo isso não torna o filme menos acessível, pelo contrário, mas abre-o para uma indiferença que, neste caso, nos deixa tempo para refletir sobre aquilo que vemos realmente. Porque se Nolan parece se divertir bastante na companhia de seus brinquedos, para nós ele não alcança nada. Mesmo musculoso, seu paquiderme permanece um fracote tolo. A operação de esfumaçamento até se volta contra o filme, à medida que este avança, tanto Nolan se mostra incapaz de articular seus pequenos dispositivos científicos a uma visão de conjunto, a afetos ou a personagens reduzidos aqui à autômatos minados. Como para as crianças, o mundo de Tenet termina nos limites do parquinho de seu autor. Afinal, as histórias simples nunca impediram os bons filmes, nem o jogo sobre o tempo - sobre um tema similar, Déjà Vu de Tony Scott (que Nolan teve de estudar atentamente) e o formidável Odisseia para Além do Sol de Robert Parrish (1968) esmagam Tenet. Ainda é preciso ter algo a dizer, uma emoção a fazer sentir, eventualmente uma ideia. Não sejamos ingênuos: Nolan permanece fechado em si mesmo. O filme é veloz mas é interminável. E é seu paradoxo mais saboroso: ele brinca sobre e com o tempo mas não sabe como lidar com ele (o que poderia ter sido um belo tema). Ele o despacha. Tudo já está aí, desfila, nada existe realmente. Mas onde o filme surpreende, e talvez mais decepcione, é em sua incapacidade de manter sequências bastante simples (as conversas decupadas com uma colher de pedreiro: uma réplica/um plano), de dispor um cenário no espaço, de fabricar uma sequência de ação sólida - o filme prova, mais uma vez, o quanto o cinema de ação é um gênero exigente que requer inventividade e precisão. Imaginemos somente a sequência da autoestrada realizada por McTiernan, J. Cameron, as Wachowski ou G. Miller. Sem dúvida, Nolan só tinha em sua bolsa um único truque, que ele utilza ad nauseam: mostrar o efeito antes da causa, filmar uma bala que retorna para seu tambor, um carro que se põe novamente em pé, um prédio que se reconstrói, etc... É pobre, mas why not? Ora, mesmo esse pequeno dispositivo não funciona. Nem o prazer do olho. Por que? Hipótese: o princípio do suspense, sobre o qual o filme, apesar de tudo, se baseia, repousa precisamente no gozo da expectativa ansiosa por um efeito do qual conhecemos a causa. Ora, invertendo a causa e o efeito, o filme desativa o próprio mecanismo à partir do qual ele quer avançar. A refletir, talvez, pelo lado do burlesco". 

- Jean-Baptiste Thoret, em post no seu facebook.