sexta-feira, 10 de abril de 2020

Café Society (Woody Allen, 2016)


Em Decameron, o artista interpretado por Pasolini se questiona sobre a razão de criar uma obra de arte, quando é muito mais doce sonhá-la. Em Café Society, é possível subverter este aforismo e substituir a criação da obra de arte pela concretização de um romance. Por que se lançar ao risco de uma relação, quando sonhar com ela é tão mais suavemente doce? São, aliás, os sonhos que regem esta história: sonhos idealizados, impossíveis e fulminantes em relação de tensão com os sonhos realizáveis, estes que, apesar de palpáveis como uma mão ou como um cabelo que cai aos olhos, não são por isto menos intensos e radiantes. 

O protagonista de Café Society não é tanto o Bobby de Eisenberg, por mais centrada que seja a sua trajetória, mas a Vonnie de Stewart, mulher cujas decisões, inspiradas entre a segurança e o risco, precipitam as reações coletivas (não é ela a responsável pelo destino das personagens?). Ao final, é dela que parte o beijo em frente as águas pelas quais se vê refletida a Nova York que amanhece. Nesta cena, a aurora de Storaro ilumina uma relação, ao contrário, destinada ao ocaso. Mas também Vonnie e Bobby possuem seu amanhecer particular, uma promessa fulgurante, eterna e quimérica, e a aceitação resignada de suas condições nos planos finais é das melhores coisas já concebidas por Allen. Amadurecer é também tornar-se aquilo que sempre desgostou; é transmutar-se naquilo que nunca coube nos sonhos juvenis. 

Se resignar-se é ou não um ato amedrontado, vindo de pessoas pouco corajosas a arriscar, é outra discussão, mas a simples dúvida e a força da escolha também nos dizem muito sobre a ambiguidade (e, por consequência, da humanidade) destas personagens. Que não se conclua, além disto, que o filme faz um elogio ao sonho impossível, neste caso incorporado a uma rede de traições e mentiras: o doce se converte em amargo quando, por exemplo, nos últimos instantes, Bobby diz à sua esposa que nunca a traiu. 

Por mais que o filme tropece em alguns de seus diversos núcleos narrativos, que às vezes nos dão o ar da graça com pouca ou nenhuma razão de ser, ao seu término carregamos bonitas sequências do casal principal; momentos cujo apuro visual e a sensibilidade do olhar sobressaem-se e nos reservam à intimidade e beleza de um sorriso desajeitado, de um afago de mãos no clube de jazz, de passeios ensolarados, de silhuetas que se consolam contra a luz âmbar de um hotel barato, de felicidades incorruptíveis na jogatina dos becos, de olhares distantes que vislumbram os antigos prazeres. São estas as matérias dos sonhos, e sonhos serão sempre sonhos, a fuga amarga possível: por que se lançar ao risco de uma relação, afinal, quando sonhar com ela é tão mais doce?

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