As cores estonteantes, excessivas e simbólicas do filme de
Sirk dão lugar à assepsia tonal de uma Alemanha ainda na sombra do pós-guerra,
reduto de heranças hitleristas e de civis dispersos entre o nacionalismo
racista e o jogo de interesses. A paisagem idílica no tableau final de Tudo que
o Céu Permite (que para Fassbinder já estava longe de configurar um "happy
end") é substituída, assim, pelo branco cadavérico de uma janela banhada
por luz hospitalar.
Da parte de Fassbinder, este não é o único processo de
radicalização de uma forma anterior. Também a câmera distanciada, situada à
espreita dos batentes e das janelas, contrasta com a frontalidade e com o
registro febril da câmera sirkiana (vide a morte na escadaria em Palavras ao
Vento). Não se trata, nesse processo, de apenas vislumbrar as instâncias
reguladoras do público e do privado – o que ocorre de forma clara nas cenas em
que o vidro de uma fenestra se coloca entre a câmera e os personagens.
Na verdade, quando Fassbinder se debruça criticamente sobre
essas instâncias, ele responde a um desejo mais amplo: a câmera se desaproxima
para que se visualizem melhor as próprias estruturas narrativas que compõe o
jogo melodramático – entre as quais se encontra, entre outras, a dialética
social entre o público e o privado, os excessos e o mapeamento de moralidades.
Inversão interessante ocorre na segunda metade do filme, quando a simplificação
moral sirkiana (cá as vítimas, lá os algozes) cede espaço a sentimentos turvos
e atos questionáveis por parte dos próprios protagonistas.
(Já os espelhos, estes continuam projetando mundos, sonhos e
intimidades dilaceradas).
No filme de Sirk, quando Jane Wyman decide levar Rock Hudson
para uma festa na casa dos moradores da vizinhança, os convidados curiosos
transformam a festa em um verdadeiro circo de horrores e de aparências,
sobretudo através das fofocas, dos olhares, dos preconceitos velados e até
mesmo da briga que deste pandemônio resulta. Na cena em que Ali e Emmi
sentam-se em um café na rua, por outro lado, eles são observados, sem
cerimônias, por um grupo de escandalizados reunidos em frente do
estabelecimento, petrificados e em silêncio.
Neste sentido, já não é mais necessária a ênfase no gesto ou
na expressão dramática dos atores, traço característico dos melodramas
hollywoodianos; aqui, o exagero está no lado inverso da moeda, ou seja, na
ausência mesma desta ênfase. É o caso, também, da cena inicial, cuja
imobilidade das personagens a tornam estátuas que respiram, evidenciando um
entre tantos artifícios mediadores do melodrama. A úlcera no final não é menos
absurda, em termos de deus ex-machina, do que o acidente de Rock Hudson no
final de Tudo que o Céu Permite: a diferença é apenas de olhar.
O gênio de Fassbinder, entretanto, está em denunciar este
mecanismo sem abdicar do senso de espetáculo e das emoções que o contornam.
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