quarta-feira, 3 de março de 2021

Nomadland

1. Nomadland é um filme de lampejos de beleza singela, nascidos dos encontros fugazes com atores e atrizes não profissionais que se abrem para a experiência do filme. Por outro lado, estes encontros são constantemente constrangidos pelos tiques e efeitos malickianos que a Chloé Zhao assimila da pior forma possível - câmera "fluida" que perscruta os personagens em contra-plongée, contra a luz, como que buscando uma pseutranscendência de caráter duvidoso. A cena em que a personagem da McDormand - sempre excepcional - passeia pela floresta de sequoias e se detém sobre aquela tombada é especialmente vergonhosa, exemplo de metáfora pobre para uma condição humana amplamente mais complexa.

2. Como se tentasse transubstanciar o nomadismo da personagem para a forma do filme, a montagem - da própria Zhao - opera cortes abruptos de uma cena a outra, e no interior de uma mesma cena. Um confronto nem sempre benéfico se esboça diante de nós: enquanto o percurso da montagem é itinerante, descontínuo e opaco, outros elementos (trilha sobretudo) progridem rumo à identificação de nosso olhar com o universo representado. O corte seco e a fragmentação colidem com as notas musicais regadas a emoções inexistentes, numa atmosfera de romantismo alienante cuja platitude do olhar não diferencia um deserto crepuscular de uma filial da Amazon.

3. Porque nem tudo é espinho: um dos planos finais do filme, sem dúvidas consciente da referência a The Searchers, efetua uma ressignificação fascinante. Onde a câmera de Ford se prostrava no interior da casa para que a porta se fechasse diante de nós e o personagem de John Wayne selasse seu caminhar do outro lado, em Nomadland a câmera descreve um movimento em direção à porta e encontra enfim a paisagem vasta que se estende para além dos batentes. Ethan Edwards não pertencia, não poderia pertencer, ao universo doméstico de The Searchers, como também Fern, em outra chave, não pertence aos modelos estabelecidos de sociedade: seu lugar será sempre este "outro lado" cuja imensidão se torna a medida de sua morada. Se há algum interesse neste filme, ele se encontra no diálogo com a tradição do Oeste americano. "Os nômades de hoje são os pioneiros de ontem", diz uma das personagens em certa altura. A este movimento de câmera podemos dar o nome de liberdade. 








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