quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Serge Daney sobre Shadi Abdel Salam

"Em 1979, um filme é lançado no Cairo. Título A Múmia. Lançamento desleixado, público raro. O filme está há dez anos nas caixas. Ele dará a volta ao mundo, mesmo que discretamente. Nós o veremos em Paris. Ficaremos boquiabertos. Aprenderemos a pronunciar o nome de seu autor, Shadi Abdessalam, e a pensar que além do polo Chahine e do polo Abou Seif, há no cinema egípcio o polo Abdessalam. Esperaremos outros filmes dele. Nenhum longa virá. Alguns terão a oportunidade de ver dois curtas-metragens: O Camponês Eloquente (1970) e Les Armées du Soleil (1974). Ambos suntuosos. Pois aplicada a Abdessalam, a palavra 'esteta' é fraca, quase vulgar. O gosto pela beleza acompanhou o homem por toda sua vida (envolto em sua capa, ele era majestoso). Não uma beleza sobreposta, excedente, mas o que era belo, desde sempre, no Egito. Desde sempre, isto é, faraós inclusos. Shadi Abdessalam foi único nisso: ele filma um Egito que não começa com o Egito, e seu Camponês eloquente que vem pedir justiça para o faraó é irmão dos soldados da guerra de 73 ou de Wannis, o herói desamparado de A Múmia

Nascido em 9 de março de 1930 em Alexandria, após estudar em Oxford, Shadi Abdessalam passa pelo Instituto de Belas Artes do Cairo, de onde ele sai em 1955, diplomado em arquitetura. Ele opta pelo cinema, é assistente em quatro filmes antes de se ver contratado pela Fox como assistente de cenografia em Cleópatra de Mankiewicz (1963). Da mesma forma, quando o polonês Kawalerowicz filma seu Faraó (1966) ou quando o italiano Roberto Rossellini supervisiona La lutte de l'homme pour sa survie (1967): Abdessalam é o homem por quem a reconstituição histórica passa. Tanto que, quando ele passa por sua vez para trás das câmeras, ele tem, além de sua cultura pessoal, uma ideia de estado internacional (e não somente egípcio) do cinema. 

A Múmia, seu único longa-metragem, se chama também A Noite em que Contamos os Anos. Em 1881, a pilhagem de tumbas se tornou um crime. Certas tribos - como a dos Horabat de Tebas - viviam por muito tempo desses saques, possuindo o conhecimento secreto de um Esconderijo real. Um jovem homem herda esse segredo e compreende confusamente que os tempos estão mudando e que ele deve revelá-lo. Não há dúvida de que se ele houvesse filmado mais, Abdessalam teria retornado a essa arqueologia, essa gênese do 'homo egyptianus'. Único egiptólogo do cinema egípcio, ele sabia, no menor detalhe, do quê ele estava falando. A beleza de A Múmia vem, para nós, desse sentimento de que tudo foi escolhido, pesado e amado - depois filmado, inelutavelmente. 

A partir de 1968, Shadi Abdessalam lecionou no Centro de cinema experimental do Cairo. Então sua vida se confundiu com uma ideia fixa: Akhenaton. O projeto se tornou decididamente mítico. Megalomaníaco demais, caro demais, intempestivo demais na paisagem mais uma vez demasiado provincial do cinema egípcio? Talvez. Ouvíamos que o cineasta já havia tudo desenhado, previsto, modelado, ao ponto de o filme, em certo sentido, já ter sido feito, transformado em museu antes de ter sido película. 

A doença (que terminou por tirar-lhe a vida) tornava a ressurreição do faraó monoteísta ainda mais improvável. Nas filmagens de Adieu Bonaparte, almas vigilantes sussurraram a Jack Lang que existia um outro projeto egípcio, soberbo e louco. Era sem dúvida tarde demais". 

- Libération, outubro de 1986. Tradução minha. 

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