"A incapacidade da crítica em reconhecer o
valor da pintura impressionista, quando esta surgiu, gerou nos críticos futuros
um complexo de culpa e uma intimidação tal que, hoje, tudo o que se anuncia
como novidade a crítica se sente obrigada a aprovar. Essa observação foi feita
por John Canaday, há muitos anos, quando exercia crítica de arte do New York
Times. E ele acrescentou então: se hoje um pintor espremer uma bisnaga de tinta
no nariz do crítico, ele será capaz de ver nisso uma manifestação de alta criatividade...
O sarcasmo de Canaday reflete a perda de referência a que já haviam chegado,
nos anos sessenta, críticos e artistas, não apenas nos Estados Unidos, mas no
mundo inteiro. A instituição da novidade como valor fundamental da arte
tornou-se uma espécie de terrorismo que inibe o juízo crítico e garante a
vigência impune de qualquer ideia idiota. Como nas organizações políticas
radicais, onde o exercício da sensatez pode ser tomado como indício de covardia
ou traição, assim nos campos da 'vanguarda' levantar dúvidas sobre qualquer
suposta inovação já era naquela época atitude suicida: quem a isso se atrevesse
era imediatamente taxado de retrógrado, como hoje é taxado de 'careta'.
(...)
O artista, por sua vez, ou entra na desabalada carreira de obsolescência das modas
ou não se submete e corre o risco de ser ignorado pela crítica, pelas
instituições oficiais e pelo mercado. (...) a necessidade de mudança acelerada,
imposta por circunstâncias exteriores ao processo de criação, contraria a
natureza da arte e conduz a graves equívocos. Um deles é a valorização de
artistas medíocres - que por isso mesmo aceitam alegremente as imposições da
moda - em detrimento dos verdadeiros artistas, para os quais não tem sentido
abrir mão de suas necessidades profundas, de sua autoconstrução e da construção
de seu universo estético.
A posição contrária - a rendição à arte descartável - significa trocar essa
busca interior pelo êxito exterior."
Ferreira Gullar - Argumentação contra a Morte de Arte
"O processo de realização da obra, que deve ser cumulativo e aprofundador, é abandonado e substituído pela atividade aleatória de coletar detritos ou adquirir no comércio elementos prontos que serão arranjados de algum modo para constituir a "obra". Como a cada "obra" o artista muda de meios - hoje são baldes de plástico, amanhã tijolos ou garrafas, depois de amanhã cordas ou pedaços de borracha - seu trabalho se mantém ocasional e exterior ao material, sem, por isso, organizar-se em linguagem. A obra, então, não resulta da elaboração e aprofundamento da experiência, mas de sacações ('tive uma boa ideia!') que visam de fato abrir uma brecha na indiferença da mídia."
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