quinta-feira, 9 de julho de 2015

"A incapacidade da crítica em reconhecer o valor da pintura impressionista, quando esta surgiu, gerou nos críticos futuros um complexo de culpa e uma intimidação tal que, hoje, tudo o que se anuncia como novidade a crítica se sente obrigada a aprovar. Essa observação foi feita por John Canaday, há muitos anos, quando exercia crítica de arte do New York Times. E ele acrescentou então: se hoje um pintor espremer uma bisnaga de tinta no nariz do crítico, ele será capaz de ver nisso uma manifestação de alta criatividade... 


O sarcasmo de Canaday reflete a perda de referência a que já haviam chegado, nos anos sessenta, críticos e artistas, não apenas nos Estados Unidos, mas no mundo inteiro. A instituição da novidade como valor fundamental da arte tornou-se uma espécie de terrorismo que inibe o juízo crítico e garante a vigência impune de qualquer ideia idiota. Como nas organizações políticas radicais, onde o exercício da sensatez pode ser tomado como indício de covardia ou traição, assim nos campos da 'vanguarda' levantar dúvidas sobre qualquer suposta inovação já era naquela época atitude suicida: quem a isso se atrevesse era imediatamente taxado de retrógrado, como hoje é taxado de 'careta'.

(...)

O artista, por sua vez, ou entra na desabalada carreira de obsolescência das modas ou não se submete e corre o risco de ser ignorado pela crítica, pelas instituições oficiais e pelo mercado. (...) a necessidade de mudança acelerada, imposta por circunstâncias exteriores ao processo de criação, contraria a natureza da arte e conduz a graves equívocos. Um deles é a valorização de artistas medíocres - que por isso mesmo aceitam alegremente as imposições da moda - em detrimento dos verdadeiros artistas, para os quais não tem sentido abrir mão de suas necessidades profundas, de sua autoconstrução e da construção de seu universo estético.

A posição contrária - a rendição à arte descartável - significa trocar essa busca interior pelo êxito exterior." 

Ferreira Gullar - Argumentação contra a Morte de Arte

Um comentário:

  1. "O processo de realização da obra, que deve ser cumulativo e aprofundador, é abandonado e substituído pela atividade aleatória de coletar detritos ou adquirir no comércio elementos prontos que serão arranjados de algum modo para constituir a "obra". Como a cada "obra" o artista muda de meios - hoje são baldes de plástico, amanhã tijolos ou garrafas, depois de amanhã cordas ou pedaços de borracha - seu trabalho se mantém ocasional e exterior ao material, sem, por isso, organizar-se em linguagem. A obra, então, não resulta da elaboração e aprofundamento da experiência, mas de sacações ('tive uma boa ideia!') que visam de fato abrir uma brecha na indiferença da mídia."

    ResponderExcluir