"Fora da Lei"
As medidas da
intuição. Cavalgada Trágica e O Homem que Luta Só, lançados quase ao
mesmo tempo em Paris, são produto de um mesmo cineasta, Budd Boetticher, de um
mesmo roteirista, Burt Kennedy, de um mesmo gênero, o Western, de uma mesma
imagem, o scope a cores: dois reflexos de um mesmo espelho.
Semelhante, em comparação, por exemplo, ao conjunto
Hellman/Nicholson, a equipe Boetticher/Kennedy transgride paralelamente os
cânones hollywoodianos; paralelamente, mas em sentido contrário. Se Disparo para Matar era uma reação
consciente contra certa cultura do cinema, em Boetticher as diferenças afloram
intuitivamente, no interior da desordem. O Homem que Luta Só é, antes de tudo, prazer de filmar comportamentos
simples, ações sem motivos, uma maneira de viver: aquela mesma de Boetticher,
que rompe - por acaso? - com certas hipocrisias codificadas, certas máscaras
formais.
É preciso formular isto teoricamente? Vejamos quatro níveis
de investigação, que cotejam o que há de mais novo sob o sol do cinema moderno.
As variações
simultâneas. Roteiros idênticos, a partir de elementos idênticos, de acordo
com uma estrutura idêntica, que varia: Aventureiro solitário / Vingança pela
memória de uma mulher / Índios / Jovem mulher sozinha / Fora-da-lei / etc. Os
lugares, como os trajetos, os personagens, como os atores que os assumem, são
evidentemente análogos. De onde surge a única constante: Randolph Scott.
Esses cubos que se encaixam, assim, variam estruturalmente
de um filme a outro. Elementos depurados, reduzidos apenas às arestas
dirigentes. Inseridos em uma decupagem nua, límpida. Cada plano logicamente
direcionado para uma fase da ação, para um trajeto do ser.
Essas variações em cadeia tramam fatalmente o agenciamento
dos planos. Cada cena é, então, decupada de acordo com as séries de pontos de
vista. Não mais, como habitualmente, redistribuídos, mas dispostos desde o
início, e variando apenas em sua repetição.
Hollywood? Ou certo cinema atual da Europa? Como um
Jean-Daniel Pollet (da linha de Mediterranée,
Bassae, Le Horla, Tu imagines
Robinson, como da linha de Pourvu
qu'on ait l'ivresse, Gala, Rue Saint-Denis, L'amour c'est gai, l'amour c'est triste), que retoma elementos
definidos de longa data e trabalha apenas sobre suas variações.
A consciência clara.
O Herói hollywoodiano é figura doente, marca de signos de uma ideologia que não
lhes admite ideológicos, conduzindo cada vez mais o espectador para sua
fraseologia. Recalque característica da escritura burguesa.
O Homem que Luta Só,
como seu análogo, evita todo subentendido, toda significação escondida; se
apresenta tematicamente, além disso, como uma agressão aberta contra todo
recalque ("o esquecimento" de Frank, perseguido por Randolph Scott).
Uma interpretação liberada de todo psicologismo: nem
mímicas, nem mensagens. Apenas as faces, os corpos, tudo que é mostrado. Os
homens não são nada além de seres que caminham, comem, trocam, lutam, sem
nenhuma transcendência, imanentes até o limite do insuportável, dissociados das
premeditações dramáticas, dos eventos.
A consciência real desses homens, seus signos e seus atos
são, sobretudo, constantemente anunciados, "telefonados". O diálogo formulando
cada intenção, cada significação antecipadamente.
Essa figura, que rompeu a distância entre aparência e signo,
é o embrião do personagem revolucionário. Ele diz, necessariamente, a ideologia
que ele veicula (o que não significa que ele a anuncia claramente: esta seria a
tarefa do filme conscientemente revolucionário). E, como por encantamento, ele
escapa a toda classificação maniqueísta para constatar somente os planos
econômicos (as trocas) e individuais (a vingança).
Narração três vezes
mostrada. Assim, o personagem impõe uma ficção do tipo "mito de Édipo": seu "suspense" é constantemente despedaçado porquanto implacavelmente previsto. Não
importa mais o que pode acontecer, mas o que o diretor vai fazer com as
premonições do diálogo. Narração, então, aberta ao olhar.
Assim, as variações simultâneas que, para cada sequência,
admitem seus ângulos do campo, forçam o espaço instituído da narração a se separar do desenvolvimento ficcional
que funciona em trajeto.
E, dessa forma, a decupagem, enfim, pulsão lenta e regular,
contenção tensa e estática, emerge tanto mais na medida em que se opõe às
características tradicionais da ficção ("Western"): rapidez, ritmo, surpresa.
Daí o desacordo entre uma narração imóvel e uma tradição de gênero, uma freando
a outra que tenta se impor sem sucesso.
A ficção, por quê?
Com O Homem que Luta Só, Boetticher
retomou pela enésima vez a mesma história. Instalada, já desde muito tempo, em
uma estrutura temática, de filme a filme ele redispõe, para ali se perder, os
deslizes, as vertigens agradáveis de uma visão imaginária. Ritual de
representação que não se localiza mais apenas na tela, mas deriva do próprio
funcionamento do autor.
Os livros, os filmes, desenvolvem em ficções metafóricas as
dificuldades de suas elaborações, a solidão do papel branco; sua função: em
primeiro lugar, permitir ao autor, por meio de um exorcismo perturbador em
frente do espelho, de assumir por imagens interpostas as dimensões, em si
mesmo, da obra.
Essas ficções de apoio iluminam o leitmotiv de O Homem que Luta Só. Randolph Scott,
ferido pelo passado, sozinho, satisfazendo esta lembrança através de uma curva
– a vingança – exclusiva de todo desejo (repelindo, entre outros, a mulher, que
claramente o atrai) responde à situação do diretor diante do filme a ser feito,
do roteirista diante do roteiro a ser escrito. Ele solicita o cineasta a se
sublimar em cada um de seus planos, o excita em abismo, a partir de suas
próprias exigências.
As ficções de O Homem
que Luta Só não reportam mais somente à própria narração; elas dizem, como
por efeito de trampolim, sobre a produção. Elas são a aurora desse cinema
insuportável, consciente até a incandescência, que anunciaria, simples e
unicamente, sua economia.
- Sébastien Roulet, "Hors la loi". Cahiers du Cinéma, nº 211, abril de 1969 (Tradução minha, do original em francês).