terça-feira, 15 de setembro de 2020

Pierre et Djemila (Gérard Blain, 1987)

Muita coisa para dizer sobre o Blain (a ponte possível entre Bresson e Brisseau?) e sobre Pierre et Djemila (que escapa a quase todas as definições). Há um aspecto, no entanto, a ser sublinhado: li que o filme sofreu duras críticas na ocasião de seu lançamento, pela sua associação (e do Michel Marmin) à nova direita e pelo trato da questão árabe. Esta recepção é curiosa, posto que “árabes” e “franceses” são todos dispostos em uma arena complexa de tensões sociais. A dimensão fulleriana do filme não decorre tanto dessa circunscrição de conflitos, mas da recusa por toda e qualquer generalização no contexto dessa arena: as palavras que Jean Narboni dedica a Fuller (“Individualista intransigente, obcecado pela contagem de um por um, criador de personagens – principais, secundários, e mesmo simples silhuetas – com relevo e singularidades inesquecíveis, ele se opõe ao maniqueísmo que lhe foi relegado há muito por sua reputação de primitivo pulsional”) poderiam ser ditas, de certa forma, sobre Blain e sobre este filme.

Em Pierre et Djemila, portanto, não se pode falar sobre “árabes”, como não se pode falar sobre “franceses”. Pode-se, por outro lado, falar sobre indivíduos e sobre a relação que estes mantêm ou são obrigados a manter com a religião ou com o Outro (cf. a mãe algeriana ou o pai francês). A máquina religiosa ou a mentalidade pequeno-burguesa, estas, sufocam o indivíduo e estreitam suas possibilidades, o que configura o próprio drama do filme, já que estamos diante de uma óbvia reatualização de Romeu e Julieta.

O que leva ao meu ponto central: se é verdade que o único assassinato do filme ocorre pelas mãos de um muçulmano convicto (o “outro lado”), também é certo que sua radicalidade é produto de uma sociedade francesa intolerante. Para Blain – cineasta da economia narrativa, da depuração, das elipses desconcertantes, dos gestos mínimos –, bastam dois planos, angulados de forma semelhante e dispostos em lugares diferentes na narrativa (porque o cineasta confia em seus espectadores para juntar as peças), para afirmá-lo sem meias-verdades: no primeiro, um menino muçulmano observa as consequências de um ataque francês à mesquita onde sua comunidade se reúne; no segundo, o assassino, após perpetuar o gesto derradeiro, se recolhe na mesma mesquita, agora arrumada, e se senta para rezar. Neste momento final, aquele menino que vimos antes se torna, retrospectivamente, a imagem da infância do muçulmano radical, que cresceu sob os mesmos ataques e a mesma intolerância.


Não surpreende, então, que o filme tenha sido recusado e simplesmente jogado às carcaças da nova direita. Na cartela inicial de Jusqu’au bout de la nuit, uma citação de Hölderlin postula a vocação da poesia em garantir um mínimo de insegurança à sociedade para que esta não “adormeça fatalmente”. Porque Pierre et Djemila suscita esta insegurança, demonstrando atenção às contradições sociais, denunciando dialeticamente a violência incessante cometida no interior de uma sociedade dita progressista – e embebida de falsas certezas –, provavelmente foi preciso rejeitá-lo, desvirtuá-lo, relegá-lo às classificações fáceis, para que a segurança das boas consciências pudesse ser restabelecida sem prejuízos.

No mais: obra-prima e possivelmente o melhor filme do Blain.

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